A criação do reality show Brincando com Fogo deve ter deixado desconfiados os executivos que ouviram a ideia pela primeira vez. Enquanto programas como De Férias Com o Ex (Ex On The Beach) eram a epítome da solteirice desvairada, a proposta de Brincando com Fogo era juntar gente jovem e cheia de libido num retiro de celibato. Se a intenção era explorar o sexo, o caminho não parecia ser o mais lucrativo. No final das contas, a promessa de fazer pessoas explorarem relações interpessoais sem envolver o sexo na equação, ficava na retaguarda. De fato, ao proibirem o sexo, os produtores fizeram com que tudo se convertesse em desejo.
Assim como acontece na versão de língua inglesa, nenhum dos jovens é atraído para o retiro sabendo que está no Brincando com Fogo. Primeiras edições de realities tem a vantagem do despreparo, mas não fica muito difícil quando começa a surgir a capacidade de parâmetro. O Brincando com Fogo Brasil chegou depois da primeira temporada do original e embora possa parecer que isso não tem muita relevância, a boa surpresa da versão BR foi a reunião intrigante de participantes manipuladores e participantes indecisos, reflexos possíveis de um conhecimento prévio sobre o que era programa.
Uma boa escolha de elenco também é essencial nesse tipo de formato. A ordem é reunir o máximo possível de juventude e padrão corporal. A sinopse garante que as vidas dos participantes foram estudadas para ficar claro se eles tinham mesmo dificuldades de criar laços mais profundos. Para o objetivo final isso pouco importa (se ninguém quebrar regras, a narrativa não acontece), mas é interessante ver o programa funcionar como se fosse um “Jigsaw sexual”, “castigando” pessoas superficiais com um retiro de zero coito. Se você descartou pessoas durante a vida, pode, de repente, acordar numa ilha paradisíaca cheia de gente bonita que você não pode nem beijar.
A ideia é boa, precisamos admitir. À medida em que os pares vão sendo formados, eles precisam resistir às tentações para manter o prêmio em dinheiro, que é descontado a cada nova “infração”. Assim, o grupo formado por Matheus, Brenda, Davi, Kat, Leandro, Rita, Igor, Thuany, Caio, Marina, Ronaldo e Gabriela (falamos um pouco sobre todos eles em um outro texto), aportaram no confinamento dispostos a viver a experiência. Quem já assistiu ao programa sabe que quem não “entra na dança” é eliminado. Casais precisam se formar, limites precisam ser impostos para serem quebrados e entre uma coisa e outra, workshops totalmente genéricos tentam provocar emocionalmente as “cobaias”.
Brincando de Brincar com Fogo
O que marcou essa primeira edição BR foi a manipulação e a indecisão; ambas provocadas por uma possível noção prévia do formato. Os participantes que mais jogaram com Lana (a inteligência artificial que comanda a casa) podem nunca ter assistido ao Too Hot To Handle original, mas já sabiam como se equilibra exposição e retração dentro de um reality de confinamento. Rita, por exemplo, lembrava a Maria Melilo, que no longínquo Big Brother Brasil 11, se dividia entre as atenções de dois participantes e fazia de sua indecisão sua narrativa: um era o desejo e o outro era o companheirismo.
Rita se conectou com o nadador Leandro, por quem nutria uma forte atração. Mas, Igor a fazia rir e tinha com ela muitas coisas em comum. Impossível saber se a indecisão de Rita era deliberada, mas dentro de um formato como aquele, manter dois homens interessados no radar é uma ótima maneira de garantir relevância na edição. Essa mesma indecisão seguia permeando a maioria das outras relações. É evidente que todos os participantes sabem que se comprometer ali não é se comprometer na vida, mas o suspense de “com quem eu ficarei” é parte do jogo. Gabriela, por exemplo, se recusou a jogá-lo e pagou por isso.
Já Matheus e Brenda se grudaram logo no começo de tudo. Brenda foi se revelando mais instintiva, enquanto Matheus tem a personalidade de um vilão em potencial. Já no primeiro episódio ele propunha a ela que instigassem intrigas entre os colegas. Ao perceber que tinha assustado a moça, inverteu o plano e teve acessos emocionais nos workshops. Com cada passo calculado, o moço deixava sua toxicidade escapar e logo em seguida buscava redenção no engajamento feminista de participantes como o carioca Caio.
Matheus e Brenda logo se tornaram um só. A bandeira vermelha que se levantou para ela naqueles primeiros dias foi esquecida e logo o egoísmo e egocentrismo se tornaram regentes do casal. Só isso explica a noite na suíte privativa que resultou numa multa de 200 mil reais, onde eles deliberadamente fizeram sexo CINCO vezes. De certa forma era como se eles tivessem “quebrado o código” e entendido que desde que o número do arrependimento fosse bem orquestrado, eles não só recuperariam dinheiro como seriam carregados até a final. O jogo foi tão bem jogado que Matheus foi, inclusive, “condecorado”; sem que nenhum dos participantes se desse conta de que com tantas infrações e tanto sexo, o retiro para ele foi muito menos severo do que foi para os colegas.
A grande surpresa dessa temporada foi o twist envolvendo os dois “impostores”, que na reta final entraram para seduzir e provocar as quebras de regras. Se conseguissem, embolsariam o dinheiro das multas. Bruno, com seu perfil de super-herói da DC caiu na esparrela da produção e tentou garantir uma grana. Já sua colega, Ana Clara, entendeu que se ficasse até o final e o dinheiro fosse repartido, ela ganharia mais. A moça, então, tratou de providenciar uma mea culpa e acertou em cheio. O repentino e apressado plot só serviu para abalar auto-estimas; mais da participante enganada por Bruno do que da participante que quase foi escolhida por ele (e que não se deu conta de que ele iria nela porque a considerava mais “fácil”).
Enfim, nem só de cinismo vive o mundo dos realities e é certo que a experiência afetou vários deles de diversas formas. Davi, o mais jovem, se “apaixonou” por Lana; Leandro (uma esponja emocional), foi quem mais se preocupou em respeitar as regras; Caio se dedicou mesmo a uma pessoa só… Realities são jogados de dentro para fora, mas se tem gente de verdade envolvida, a catarse não só é possível como também é positiva.
Contudo, seria ingenuidade concluir que qualquer relação foi fortificada pelo pseudo-celibato. Brincando com Fogo é um programa interessante, bem dirigido, bem editado e bem humorado (a narração de Bruna Louise foi um achado). Pelo menos a nossa relação com ele é bem sólida. No fim das contas, para todos os envolvidos é isso que importa.
Fonte: https://www.omelete.com.br/netflix/criticas/critica-brincando-com-fogo-brasil